terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Canto VII Audição de Orfeu, poema XIV




Maduro pelos dias, vi-me em ilha,
portanto.
Como conhecer as coisas senão sendo-as?
Como conhecer o mar senão morando-o?
Às coisas Deus um dia nos recuou.
Contemplo as nuvens. Elas me rociam.
Refletem-se em meu sangue: nuvens e aves.
A sombra de meus pés reptam-se serpes.
Quantas selvas escondo! Sou cavalo,
Corro em minhas estepes, corro em mim,
Sinto os meus cascos, ouço o meu relincho,
Despenho-me nas águas, sou manada
De javalis; também sou tigre e mato;
E pássaros, e voo-me e vou perdido,
Pousando em mim, pousando em Deus e o diabo.
Nasço floresta, grasso grandes pestes,
Porquanto,
Jazo em mim mesmo, rejo-me,reflito-me
Sei dos pássaros, sei dos hipopótamos,
Sei de metais, de idades, aconteço-me,
embebo-me na chuva que é do céu,
abraso-me no fogo dos infernos.

Porquanto,
Como conhecer as coisas senão sendo-as?
Abrigo minhas musas, amam sobre.
Aflijo-me por elas, sofro nelas,
Encarno-me em poesia, morro em cruz,
Cravo-me, ressucito-me. Petrus sum.
Sou Ele mas traindo-o, mas em burro,
com esses cascos na terra, e ventas no ar,
cheirando Flora; minhas quatro patro patas
rimam iguais, forradas, alforriadas,
burro de Ramos, levo o dorso
Alguém em flor, Alguém em dor, Alguém.

Contudo,
Burro épico, vertido pra crianças,
Transporto-as à outra margem, sou Cristovão
Colombo, sou columba, Deus espírito
Que desce sobre o início, sou palavra
Antes de mim, eu evo. Ave Maria,
Eva sem culpa, tem de mim piedade,
Pia sacramental de que emerjo ilha,
-Quid petis ab ecclesia Dei?
-Fidem
-Fides, quid tibi proestat?
-Vitam aeternam.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013